VAIDADE É PECADO?

Missionário Clésio

 Ouve-se sempre a exortação: Cuida-A-A-A-do, isso é vaidade, como se toda vaidade fosse pecado. O rei Salomão diz: “Vaidade de vaidades! Tudo é vaidade”. Só no livro de Eclesiastes essa palavra aparece trinta e sete vezes. E você, o que acha? Será que toda vaidade é pecado? Se não, quando é que a vaidade não é pecado? Se sim, então tudo é pecado, pois tudo é vaidade. O salmista diz: “Filhos dos homens, até quando convertereis a minha glória em infâmia? Até quando amareis a vaidade e buscareis a mentira”? (Sl 4.2).

Conforme o livro II Crônicas, Salomão foi o terceiro rei de Israel mais rico e mais cheio de sabedoria dada por Deus (900 a.C.). Ele é autor de Provérbios, Eclesiastes e Cantares, os quais foram inseridos no compêndio do cânon bíblico e pertencem a classificação dos livros poéticos. Segundo a tradição judaica, Salomão escreveu primeiro Cantares quando jovem; depois Provérbios, quando estava na meia-idade, e por fim Eclesiastes, no final da sua vida (BEP).

Analisar com precisão Eclesiastes não é tão simples. No seu bojo contextual, vemos que Salomão no final da sua vida foi afligido e declinou moralmente e espiritualmente. Ele se meteu na idolatria e nos prazeres sensuais em grande escala, e isso o levou a um resultado vazio e à desilusão. Percebe-se isso nas seguintes palavras: “vaidade de vaidades, diz o pregador, vaidade de vaidades! Tudo é vaidade. Por isso odiei esta vida, porque a obra que se faz debaixo do sol me era penosa; sim, tudo é vaidade e aflição de espírito. Melhor é uma mão cheia com descanso do que ambas as mãos cheias com trabalho e aflição de espírito. Melhor é o jovem pobre e sábio do que o rei velho e insensato, que se não deixa mais admoestar” (Ec 1.2; 2.17; 4.6,13). Dá a entender que a intenção do autor, antes de morrer, foi aconselhar com especificidade aos jovens, prevenindo-os a não cometer os mesmos erros que ele cometera. O jovem deve aproveitar e desfrutar da sua juventude (11.9,10), porém é preciso muito cuidado para não ser levado pelos prazeres extravagantes desta vida, que são fúteis, banais, medíocres e passageiros. É como diz um provérbio popular: “nem oito e nem oitenta”. Ainda bem que Salomão conseguiu enxergar no final da sua caminhada, que a vida só tem sentido em Deus. Ele conclui: “De tudo o que se tem ouvido, o fim é: Teme a Deus e guarda os seus mandamentos; porque este é o dever de todo homem. Porque Deus há de trazer a juízo toda obra e até tudo o que está encoberto, quer seja bom, quer seja mau” (12. 13,14).

Então, toda vaidade é pecado? Vamos analisar: Quando Salomão diz que tudo é vaidade, será que ele está dizendo que tudo é pecado? Antes de responder, vejamos o que diz Aurélio – “vaidade é a qualidade daquilo que é vão (fútil, insignificante, que só existe na fantasia, falso, ilusório e inútil), pode ser também um desejo imoderado de atrair a admiração; presunção” – Assim sendo, posso dizer que alguém que gosta de se exibir, achando que é o cara, já entrou pelo caminho do orgulho e da arrogância. Para isso, Jesus nos alerta: “Não será assim entre vós; aquele que quiser, entre vós, fazer-se grande, que seja vosso serviçal” (Mt 20.26).

Vaidade no hebraico advém de duas palavras. Habel, shav, que significa “vazio” e “oco”. Seu uso no AT estava relacionado ao abandono do único Deus verdadeiro e à busca de ídolos que não podiam satisfazer as necessidades de Israel, pelo simples fato de não terem nenhum poder. A adoração a ídolos tornou-se sinônimo de vaidade, pois era como se o povo israelita estivesse buscando ajuda no vazio. Não há qualquer relação entre vaidade e o uso de joia, roupas ou ornamentos.

Vaidade no grego é “mataiotes”, onde Paulo diz que os gentios não agradam a Deus na forma de pensar e no estilo de vida: “Isto, portanto, digo e no Senhor testifico, que não mais andeis como também andam os gentios, na vaidade dos seus próprios pensamentos” (Ef 4.17). E Pedro se referindo aos falsos mestres diz que as “palavras jactanciosas de vaidade (mataiotes) engodam com paixões carnais, por suas libertinagens, aqueles que estavam prestes a fugir dos que andam no erro” (2Pe 2.18).

O Pr. Elias Ribas, da Assembléia de Deus, faz o seguinte comentário:

As igrejas evangélicas brasileiras têm grande dificuldade de compreender o termo “vaidade” que, no linguajar dos crentes, carrega toda conotação pejorativa. Gostar de vestir-se com esmero, adornar-se com qualquer joia ou cuidar do cabelo, tingindo-o ou penteando-o de uma forma estética, é considerado pecado na maioria das igrejas pentecostais. O texto apresentado como base bíblica para tal conclusão é: “Quem subirá ao monte do Senhor, ou que estará no seu santo lugar? Aquele que é limpo de mãos e puro de coração, que não entrega a sua alma à vaidade, nem jura enganosamente” (Sl 24.3,4). “... que não entrega a sua alma à vaidade...” Vaidade no hebraico awv - shav significa: falsidade; vazio de fala; mentira; inutilidade. Também vaidade se refere ao sopro (vida), à enfermidade, algo vazio. “Desde aos meus dias o comprimento de alguns palmos; à tua presença o prazo da minha vida é nada. Na verdade, todo homem, por mais firme que esteja, é pura vaidade” (Sl 39.5). Salomão também usa a palavra vaidade nesse sentido de algo vazio, oco. “Vaidade de vaidade! Diz o pregador; vaidade de vaidade! Tudo é vaidade” (Ec 1.2). [Pr. ELIAS – AD – Blumenau/SC].

Observe o que Gondim Ricardo comenta em seu livro intitulado "É proibido":

... na lógica do apóstolo Paulo, vaidade é colocar esperança naquilo que é vão, passageiro, perecível. Ele então fala em ver sua vida à luz da eternidade. Neste mundo tudo é passageiro e ninguém leva nada daqui. Por isto Salomão diz: “tudo é vaidade”. A vida só deixa de ser vaidade quando entregamos a nossa vida a Deus e o servimos de todo coração. Tudo que o homem faz sem dedicar a Deus ou não, o alvo é Cristo, é vaidade, ou seja, vazio [GONDIM RICARDO. É proibido. P. 67-70 – Editora Mundo Cristão. São Paulo – SP].

Na nossa vida se alguma coisa ocupa a lacuna que somente o Espírito Santo deve ocupar, tal coisa é pura vaidade (mataiotes), oca (shav), vazia (Habel), esse é o tipo da vaidade considerada pecaminosa. A vaidade só é perigosa quando deixamos Cristo fora do centro das nossas vidas, e passamos a viver egocentricamente.

Trabalhar também é uma vaidade, mas também tem seus limites. Olhando à vaidade por uma questão de sobrevivência, ela é boa até certo ponto, pois quem não quiser trabalhar para sobreviver, também não deve comer. Todavia há trabalho perigoso, como por exemplo: aqueles que vendem o corpo para se prostituirem, vivem em função da beleza física ao ponto de vender sua alma ao diabo; outros buscam a fama e a riqueza e desprezam a Cristo, vivem dissolutamente sem se preocuparem com a passagem desta vida para a outra que é eterna. Pois bem, nesses casos, a vaidade é considerada uma coisa ruim e negativa.

Quantas vezes ouvimos o emprego da palavra vaidade em busca da defesa de usos e costumes baseados em nossas próprias concepções! O uso de adornos, joias, maquiagens, penteados e outros hábitos simplórios são levados ao banco dos réus dos pecadores por serem considerados vaidades. De fato eles são. Mas nada disso tem o sentido de oco, vazio, ou desprezo à pessoa de Cristo. Não esqueçamos os bons ternos, as lindas gravatas, os cabelos fixados com gel, os sapatos pomposos, os carros luxuosos e até os adornos que usamos em nossos templos. Será que isso também são vaidades? É claro que sim, todos têm o mesmo peso diante de Deus. Tudo isso é pecado? Será que essas coisas nos afastam de Deus? Depende da nossa relação com essas coisas. Se nossa confiança está nas coisas passageiras desse mundo, onde tudo debaixo do sol é vaidade, e passamos a viver em função das aparências, ou dos prazeres desta vida, e, também, passamos a confiar em nós mesmos, pode ter certeza que precisamos urgentemente deixar o Senho ser o centro da nossa vida. Se não for esse o nosso caso, fiquemos tranquilos, Deus tem prazer em que vivamos felizes. É preciso manter a Palavra de Deus acima de qualquer princípio, pois ela é poderosa e está acima de qualquer tradição humana.

Portanto o conceito bíblico geral de vaidade é algo fundamentado em nada. Não deixemos de viver bem, andar com aquela roupa que gostamos (desde que não seja sensual ou extravagante), é nosso dever cuidar da nossa casa, do cônjuge, dos filhos, possuir o que gostamos e desfrutarmos do resultado do nosso trabalho, e tantas outras boas coisas que podemos fazer na vida. Repito: essas coisas também são vaidades, mas não são pecados. Não deixemos essas coisas ocuparem o centro das nossas vidas. Precisamos buscar a Deus em primeiro lugar. Assim sendo, teremos a certeza de que as demais coisas serão acrescentadas. Não fiquemos apegados aos princípios tolos em detrimento da sã doutrina bíblica. Viva bem.

Miss. Clésio U. de Araújo